Proposta de mudanças formulada pelo governo endurece as condições para os trabalhadores da iniciativa privada e mantém as mamatas dadas a algumas categorias
Cilene Pereira e Fabíola Perez/ISTOÉ Digital
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Não há dúvida de que uma das reformas mais urgentes para que o Brasil volte a crescer é a da previdência. Há anos o País discute a necessidade de implementação de um regime que garanta o pagamento dos benefícios nas próximas décadas, mas as mudanças até agora tinham sido tímidas demais. O resultado foi um rombo monumental nas contas. Para o ano que vem, só o déficit do INSS, que paga os trabalhadores da iniciativa privada, está calculado em R$ 181 bilhões. Na esfera pública, o saldo negativo previsto para este ano era de R$ 69,97 bilhões. Por esta razão, o envio pelo governo na semana passada ao Congresso Nacional da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) propondo alterações nas regras para a aposentadoria deve ser encarado como algo positivo. O problema é que se sabia que o remédio sugerido seria duro, mas a avaliação geral é a de que ele é mais penoso do que se imaginava. Além disso, de forma equivocada, as mudanças não tocam em alguns privilégios e podem ampliar a desigualdade na assistência aos brasileiros na etapa final da vida.
A primeira mudança é o estabelecimento da idade mínima de 65 anos para se aposentar. A média se aproxima da adotada em países como o Japão, onde o corte é de 65 anos, e da Alemanha, que estabeleceu 67 anos. A regra vale para homens e mulheres. Aqui, a primeira crítica. “Hoje, a idade é diferente de acordo com o gênero (65 anos homem e 60, mulher)”, diz Wagner Balera, professor de Direito Previdenciário da PUC-SP. “O critério foi escolhido por causa de condições culturais que ainda obrigam a brasileira a trabalhar em três turnos, em casa e fora dela”, afirma.
O tempo mínimo de contribuição também muda, subindo de quinze para 25 anos. Em um mercado de trabalho no qual as normas de contratação estão cada vez mais flexíveis e caracterizado por alto índice de informalidade, pode ser difícil alcançar a marca. “Se o indivíduo tem 80 anos e não chegou no tempo necessário de contribuição, o que acontecerá?”, indaga Fábio Zambitte, professor de Direito Previdenciário do IBmec-RJ.
O valor do benefício sofreria redução devido à mudança na forma de cálculo. Hoje, o INSS usa como base os maiores salários, que representem 80% das contribuições. Na PEC, o valor é determinado com base no equivalente a 76% da média salarial – de todos os vencimentos, não só os mais elevados – acrescido de 1% a cada ano de contribuição que superar os 25 anos mínimos. Por essa equação, o benefício fica mais baixo.
Para chegar no teto do valor (hoje de R$ 5 mil), seria necessário contribuir por 49 anos. Isso significa que, para se aposentar aos 65 anos, deveria-se começar a trabalhar aos 16 anos, quando se está no final da formação educacional básica. É verdade que a expectativa de vida do brasileiro aumenta e é preciso adequar as normas de acesso. Mas os limites estão sendo considerados rigorosos.
Quem se encaixa hoje nas condições para a aposentadoria poderá se retirar da ativa pelas normas atuais. Porém, homens com mais de 50 anos e mulheres acima de 45 anos na data da aprovação das medidas que não tiverem atingido as condições para a aposentadoria, mas que desejarem se aposentar antes dos 65 anos, estariam sujeitos a regras de transição. Cumpririam um pedágio de 50% do tempo que faltaria para a aposentadoria na data da aprovação. Se faltarem dois anos, será preciso trabalhar mais um ano.
Estão ainda entre os afetados os que recebem pensão por morte. Ela não seria mais integral e associada ao reajuste do salário mínimo – há o risco de o benefício ser menor do que o mínimo. E os idosos, que atualmente requerem o benefício aos 65 anos, só poderiam solicitá-lo aos 70 anos.
O QUE MUDA Tomando por base:
44 anos Mulher
25 anos Tempo de contribuição
R$ 3 mil Média salarial
Antes da PEC
Se optasse por se aposentar com fator previdenciário, precisaria trabalhar mais 5 anos. Receberia cerca de R$ 1,8 mil de benefício mensal
Se escolhesse a regra 85/95 (soma da idade e tempo de contribuição, para mulher e homem respectivamente), trabalharia por mais 10 anos. Ganharia aposentadoria integral (R$ 3mil)
Com a Pec Seriam necessários mais 21 anos para atingir a idade mínima obrigatória (65 anos)
O tempo de contribuição seria de 46 anos
O valor do benefício seria calculado usando a nova fórmula: 51% da média de todos os salários + 1% da média para cada ano de contribuição 51 + 46 = 97% da média salarial
Benefício: R$ 2.910
Conclusão: a pessoa trabalharia 11 anos a mais para ganhar menos
No serviço público é diferente
Enquanto todas as normas se aplicariam aos trabalhadores privados, elas não seriam totalmente verdade para os empregados do serviço público. Primeiro, ficaram de fora os integrantes das Forças Armadas, embora o déficit causado pelo pagamento a este grupo nas contas da União tenha sido de R$ 32,5 bilhões este ano. Mudanças ficarão para um projeto de lei ainda a ser produzido. Depois, policiais militares e bombeiros, que haviam sido incluídos, foram poupados.
Para os funcionários públicos em geral, incluindo aí os do Judiciário, também sobrariam regalias. Não para aqueles que entrarem no serviço após a aprovação da PEC, que estariam sujeitos as mesmas regras dos empregados da iniciativa privada. Para os que estão agora na ativa, alguns privilégios serão mantidos porque remontam a períodos anteriores e já se cristalizaram como direitos adquiridos. Até 2003, todos tinham direito à paridade (aposentados recebiam o mesmo valor da ativa) e ao salário integral na aposentadoria. Entre 2004 e 2012, a integralidade deixou de existir e foi estabelecido o cálculo do benefício a partir da média de 80% dos maiores salários. Os que ingressaram a partir de 2013 passaram a estar sujeitos ao teto, o mesmo dos empregados privados. Aqueles que desejavam ganhar mais aderiram a um plano complementar.
As regras de transição para quem está próximo de se aposentar seriam as mesmas das designadas para o setor privado. Porém, com algumas benesses. Os que se adequarem às normas e tenham entrado até dezembro de 2003 ganharão aposentadoria integral e com paridade de reajuste. Além disso, os que ingressaram antes da instituição da previdência complementar poderão receber proventos superiores ao teto. Será possível ainda ao funcionário que apresente também tempo de contribuição no regime do INSS acumular aposentadoria dos dois regimes desde que responda aos critérios de ambos os sistemas. “Os privilégios serão mantidos. Não se mexerá nas regras antigas porque não se pode quebrar as regras do jogo agora”, explica Alexandre Chaia, professor do MBA Executivo do Insper, em São Paulo. No grupo dos mais especiais do que os outros, figuram também os senadores e deputados federais e estaduais. Os que forem eleitos após a PEC entrarão nas novas regras. Porém, os que estão em mandato usufruem de regimes especiais. Para esses políticos, as regras de transição serão formuladas por eles próprios. Mais uma ação para a sociedade ficar de olho.
Em outros países
• Estados Unidos A idade mínima é de 67 anos. Os gastos com a previdência consomem 6,7% do PIB
• Japão Só se aposentam maiores de 65 anos. Uma das medidas para custear os benefícios foi aumentar o imposto sobre consumo de 5% para 8%
• Alemanha A idade mínima é de 67 anos. O Banco Central, porém, defende a elevação para 69 anos. O país gasta 10,6% do PIB com benefícios