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Pessoas com deficiência são duplamente excluídas do mercado de trabalho
Economia
Publicado em 28/11/2016

 

 

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

 

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Fernando Lopes de Souza Júnior, de 18 anos, capacitou-se, fez cursos profissionalizantes e agora enfrenta os desafios de uma crise dupla na busca por um emprego. A escassez de vagas provocada pela crise econômica se soma à falta de oportunidades para pessoas com deficiência. Apesar da Lei de Cotas, que obriga firmas a destinarem vagas a esses profissionais, a exclusão é realidade no mercado de trabalho. Em Minas Gerais, 70% das empresas não cumprem ou cumprem parcialmente a legislação, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Apenas na iniciativa privada, 28,9 mil vagas deveriam ser abertas para empregar trabalhadores com deficiência. Para tentar mudar esse cenário, o MTE em Minas vai convocar 2 mil empresas a participarem de seminário sobre o assunto em dezembro.

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), de setembro, 3.107 empresas deveriam cumprir a cota em Minas, sendo 839 em Belo Horizonte. Entretanto, apenas 930 delas (30%) cumprem integralmente a regra. Outras 638 (20,5%) ignoram totalmente a norma e o restante atende apenas parcialmente à legislação. A Lei  8.213/1991, que este ano completou 25 anos, estabelece que empresas que têm a partir de 100 empregados devem preencher de 2% a 5% dos cargos com reabilitados ou pessoas com deficiência.

Se considerada apenas a iniciativa privada, em Minas, a previsão era de que houvesse 60.753 vagas, mas o déficit chega a quase metade delas. Os dados do MTE mostram que há somente 31.784 pessoas com deficiência empregadas no estado, 52,3% do que deveria haver. Na capital, esse abismo é maior. Em tese, deveriam ser 27.324 vagas. Na prática, há 12.890 empregados nessa condição, 47% dos postos de trabalho.

“As vagas são poucas. Acho que as empresas pensam que, por serem deficientes, as pessoas não são capazes de executar uma tarefa”, reclama Fernando, que, apesar da idade, já sentiu o peso da exclusão. Aos 16 anos, o jovem, que tem o pé torto e a perna direita mais curta, levou uma porta na cara de uma empresa. “Eu e outro candidato tínhamos o mesmo nível, preferiram ele. Fiquei triste, decepcionado e procurei me profissionalizar”, conta. Perto de concluir o ensino médio e com os cursos de mecânica, administração e empreendedorismo no currículo, ele espera ter sucesso na empreitada. “Fiz um estágio na Fiat, mas, com essa crise, eles não contrataram ninguém”, diz.

SEM ESTRUTURA Os gargalos para a exclusão são muitos, de acordo com o superintendente do Instituto Ester Assumpção, que atua para aumentar a inclusão no mercado de trabalho, Oswaldo Ferreira Barbosa Junior. “A sociedade ainda vê as pessoas com deficiência como improdutivas e incapazes”, afirma. A esse fator acrescenta-se a falta de estrutura para receber esses funcionários, desde rampas, elevadores, banheiros adaptados, intérprete de libras, softwares, impressoras, entre outros.

Segundo o superintendente, a escolaridade e a qualificação de pessoas com deficiência é baixa, pois a exclusão começa já no ambiente escolar, e também falta fiscalização do MTE. Empresas que descumprem a Lei de Cotas estão sujeitas a multas de R$ 2.143,04 a R$ 3.214,55 por funcionário. O ministério não informou o número de multas aplicadas neste ano.

“O desafio é mostrar bons exemplos de inclusão para que consigamos demonstrar que as pessoas com deficiência têm potencial para o trabalho. Poderíamos pensar também na criação de benefícios fiscais para incentivar mais o empresariado que já tem uma alta carga tributária”, afirma Barbosa Junior, que ressalta que a taxa média de empregabilidade das pessoas com deficiência é de 44%, enquanto a das demais é de 75%.

 

Exercícios de superação no ambiente empresarial


 

Euler Júnior/EM/D.A Press

Junto do trauma da perda de uma das pernas, em 2005, e do desafio da reabilitação e adaptação à prótese, veio logo o receio de como seria a vida a partir de então. “A sociedade te olha diferente, fica com dó, acha que é difícil trabalhar”, conta o auxiliar administrativo e estudante de sistema de informação Adriano Santos, de 30, que deu a volta por cima e conseguiu garantir seu espaço no mercado. Há cinco meses ele foi contratado pela empresa de telecomunicações Telbrax e mostra que o caminho da inclusão é difícil, mas possível.

Apesar de feliz com o novo emprego, Adriano não tem apenas boas histórias para contar. “As experiências anteriores não foram tão interessantes por causa da falta de acessibilidade e de um plano de saúde. Fui contratado, mas não adequaram o local para ser acessível para mim. Tinha que subir e descer muita escada”, lembra.

Do passado ele também traz algumas negativas. “Você faz a entrevista, falam que vão ligar e nunca retornavam”, conta o auxiliar administrativo. “Acredito que as empresas ainda têm que perder o preconceito. As pessoas com deficiência tem capacidade de exercer funções. E também tem a questão salarial. A pessoa com deficiência ganha menos. Tinha que ser o mesmo salário-base para todos”, defende

A contratação de pessoas com deficiência começou este ano na Telbrax, que atingiu em 2015 o número de 100 funcionários e passou a se enquadrar na Lei de Cotas. A empresa teve consultoria do Instituto Ester Assumpção para se adaptar à realidade dos novos empregados. Ao todo são três funcionários com deficiência e mais um estagiário. De acordo com a consultora de desenvolvimento humano da companhia, Sheila de Carvalho, o critério para a contratação é o mesmo dos demais funcionários. “Somos muito abertos à escuta, para ouvir as necessidades de cada um. Prezamos muito pelo desenvolvimento das pessoas”, diz

Segundo Sheila, as limitações das empresas em geral refletem as dificuldades que as pessoas com deficiência também enfrentam no cotidiano. “É um desafio grande para elas estarem adaptadas, ter estrutura física e sistema para que, independentemente da deficiência, consigam exercer a atividade”, reconhece. Ela afirma que, nas condições atuais, a Telbrax tem dificuldade para receber cadeirantes e para contratar deficientes visuais, embora tenha um estagiário nessa condição.

O QUE DIZ A LEI

Lei nº 8.213/1991

>> A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados 2%
II – de 201 a 500 3%
III – de 501 a 1.000 4%
IV – de 1.001 em diante 5%

Três perguntas para...

Oswaldo F. Barbosa Júnior - Superintendente do Instituto Ester Assumpção, especialista em inclusão de pessoas com deficiência nas empresas

O preconceito ainda é o maior problema para a contratação?
O preconceito é uma das principais causas, pois, se a sociedade não vê e não trata as pessoas com deficiência de maneira que estas tenham oportunidade para estudar, trabalhar e realizar os seus sonhos, dificilmente elas alcançarão os seus objetivos. As diversas experiências inclusivas no mundo demonstram que as pessoas com deficiência precisam de oportunidades para se desenvolver e conquistar os seus objetivos.

A dificuldade é maior para qual tipo de deficiência?
As pessoas com deficiência intelectual são as que têm maior dificuldade para ingresso no mercado de trabalho. Devido ao comprometimento cognitivo, essas pessoas precisam de apoios para serem treinadas diretamente no posto de trabalho. É interessante observar que, em geral, as empresas ligam para o Instituto procurando pessoas com “deficiências leves”.

Como se tornar uma empresa mais inclusiva?
O primeiro passo é a alta gestão: definir uma meta clara de inclusão. Com a meta definida, os demais gerentes e equipe vão se empenhar para implantar os processos inclusivos. O que ainda percebemos nas empresas é a ação isolada do setor de recursos humanos buscando o desenvolvimento de práticas inclusivas. Contudo, sem o apoio da alta direção estes projetos acabam não gerando impacto.

 

Flávia Ayer/EM - Postado em 28/11/2016 06:00 / Atualizado em 28/11/2016 08:00

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