Brasília – Um dos principais programas dos governos petistas parou muito antes do afastamento definitivo da ex-presidente Dilma Rousseff. Enquanto esteve no poder, em 2016, o governo petista não tinha conseguido contratar sequer uma unidade. “O Minha casa, minha vida travou por absoluta má gestão. Não foi só a questão econômica. Vamos retomar a credibilidade do programa”, prometeu o ministro das Cidades, Bruno Araújo.
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A meta é contratar, até dezembro, 70 mil unidades. Para 2017, a meta aumenta para 600 mil, com recursos totais de R$ 64,7 bilhões — R$ 7,2 bilhões previstos no Orçamento-Geral da União, R$ 48,5 bilhões de financiamento do FGTS e outros R$ 9 bi de subsídios do Fundo. Outras duas medidas serão apresentadas nos próximos meses. O lançamento do cartão reforma, para que famílias com renda mensal de até R$ 1,8 mil possam fazer melhorias em seus imóveis, em valores que cheguem até R$ 5 mil; e, até o fim do ano, o governo quer mandar ao Congresso um projeto de lei para acelerar a regularização fundiária. “50% dos donos de imóveis no país não têm a titulação da terra”, resumiu Bruno.
“Eles acabaram com o programa. Em 2013, aceleraram as metas, com intuito eleitoral e contrataram mais de 400 mil unidades. Esses valores foram caindo, gradativamente, até chegar a zero nos últimos meses de gestão da presidente cassada”, dimensionou o ministro das Cidades. “Pior, eles pararam de pagar as construtoras e fornecedores. Regularizamos esse fluxo de caixa e, por isso, será possível retomar o ritmo das obras”, completou.
Essa questão da inadimplência preocupou, e muito, os empresários do setor. Em janeiro de 2015, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, compareceu à posse dos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Fazenda, Joaquim Levy. Em audiência posterior, sugeriu a revisão das metas do programa, devido aos atrasos nos repasses. “Ao contrário do que esperávamos, eles nos pediram para acelerar. O dinheiro sumiu, as empresas não aguentaram e as obras pararam”, admitiu Martins.
Agora, o governo Temer tenta, lentamente, retomar o ritmo. Das 70 mil unidades previstas para este ano, 50 mil são de moradias já programadas, mas cujas obras estavam paralisadas. Outras 20 mil serão realocadas de programas como o PAC Saneamento e Mobilidade Urbana. Para o ano que vem, os recursos já estão previstos no Orçamento. A intenção é contratar 400 mil moradias das faixas 2 e 3; 100 mil na faixa 1; 40 mil na faixa 1,5; e 70 mil de entidades rurais.
Credibilidade Bruno Araújo disse que o grande esforço é recuperar a credibilidade do mercado e a capacidade de financiamento e planejamento. “Para se ter uma ideia, herdamos um Ministério com orçamento de 71 anos comprometidos na área de mobilidade e outros 40 anos destinados às obras de saneamento”, declarou o ministro. “Não tínhamos um problema apenas na questão econômica. Enfrentávamos uma série crise de governança. Os dados e a organização administrativa foram completamente distorcidos ao longo de todos esses anos”, completou.
O presidente da CBIC acha factíveis as novas metas estabelecidas pelo governo no ano que vem. José Carlos Martins acha, no entanto, que a retomada será gradual e ainda está longe dos patamares anteriores. “Se pensarmos que o governo está prevendo R$ 7 bilhões do orçamento-geral da União para 2017, é inevitável comparar que, em 2014, este montante era de R$ 24 bilhões. Por outro lado, não adiantava ter recursos se não havia garantia para pagamento”.
Martins lembra que, nos primeiros anos do Minha Casa Minha Vida, a regra era o que o mercado chamada de D+2. Na prática, isso significava que o pagamento era feito dois dias após a entrega da fatura. “Isso evitava a necessidade de capital de giro para as obras. Ela própria se pagava. Quando os atrasos começaram, as empresas passaram a recorrer a empréstimos bancários. O fluxo diminui, os juros aumentaram e muitas empresas quebraram”, lembrou o executivo.
Longa fila de espera
O nome da costureira Edir Mattos de Oliveira, de 30 anos, está no cadastro do Minha casa, minha vida (MCMV) desde o início do programa, em 2009. Nesse intervalo, a casa própria deixou de ser um sonho e passou a ser uma luta. “O MCMV é como jogar na loteria. O sistema de sorteio você tem que contar com a sorte”, afirma Edir.
Chefe de família, mãe de duas crianças, uma delas surda e com problemas de saúde, a costureira não deu mais conta de pagar aluguel e, desde novembro, vive com os filhos na Ocupação Zezeu Ribeiro e Norma Lúcia, instalada no antigo prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no Centro de BH.
A espera por uma casa remonta a antes do programa do governo federal. Doze anos atrás ela se inscreveu no primeiro programa habitacional em Belo Horizonte, na época viabilizado pelo Orçamento Participativo. “A maioria das pessoas acaba desistindo, porque vira uma espera eterna”, diz Edir.
Com renda fixa de R$ 870, do benefício assistencial a pessoas com deficiência concedido pelo governo federal ao filho caçula, ela se enquadra na faixa 1 do MCMV, que produz empreendimentos habitacionais destinados a famílias com renda mensal de R$ 1,8 mil. Nesse caso, são as prefeituras que administram a distribuição das unidades.
Mas o ritmo de construção do programa Minha casa, minha vida (MCMV) está longe de atender o déficit habitacional. Somente em Belo Horizonte, organizados em núcleos populares por moradia, há 30 mil pessoas à espera por uma unidade. A estimativa, entretanto, é que número seja três vezes maior. “Em 2014, 117 mil pessoas se cadastraram no Minha casa, minha vida”, afirma a diretora do Movimento nacional de luta pela moradia, Edineia Aparecida dos Santos.
Em BH, depois de pressão dos núcleos organizados de moradia, o cadastro passou a levar em consideração critérios como presença de deficientes na família, participação em movimentos, ser chefe de família, entre outros. Esses requisitos aumentam a chance de a pessoa ser sorteada. Mesmo atendendo a vários deles, Edir não conseguiu ter contabilizado esses critérios. “Não ganhei pontuação por filho deficiente. Gostaria que isso fosse revisto”, afirma.
Prioridade deve ser obra Parada
O diretor da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Fernando Moura, avalia que para reverter o ritmo lento nas construções de moradias populares o governo precisará trabalhar com um planejamento de médio e longo prazo. O primeiro passo para retomar o Minha Casa Minha Vida, segundo Moura, é priorizar a conclusão das obras paralisadas, para atender demandas da população que aguarda a finalização de obras.
“Será preciso cumprir algumas etapas e metas para essa recuperação. O primeiro passo é olhar para as obras paradas, principalmente no segmento destinado às famílias de até três salários-mínimos, que é a Faixa 1 do programa. Foram muitas obras que ficaram pelo caminho e prejudicaram as pessoas que estão esperando a entrega das unidades, assim como as empresas, que sofrem com o atraso de recursos. Nos últimos meses vimos até o fechamento de algumas”, diz Moura.
O setor espera que as estimativas do governo federal para o próximo ano sejam alcançadas, o que significaria uma retomada nos lançamentos do Minha casa, minha vida. “A partir da conclusão dos projetos atrasados, existe uma grande expectativa para novos empreendimentos. Estima-se que sejam lançados cerca de 400 mil novas unidades no programa como um todo, cerca de 40 mil unidades na Faixa 1 do programa”, avalia Moura.
Construtora O diretor comercial e de marketing da Direcional Engenharia Guilherme Diamante, que constrói empreendimentos do Minha casa, minha vida (MCMV), observa maior rigor dos bancos para a concessão de financiamentos do programa no caso de beneficiários da faixa 2 e 3 – pessoas com renda familiar de R$ 1,8 mil a R$ 6,5 mil. Ele também aponta diminuição nos freios. “As unidades para a faixa 1 deram uma desacelerada grande, estão mais escassas”, afirma. A empresa tem dois empreendimentos residenciais em Betim, na região metropolitana de BH, com 570 unidades, para serem entregues em 2017 e 2018.