BRASÍLIA (Reuters) - O pacote de mudanças na Previdência preparado pelo governo permitirá que um trabalhador que contribua mais do que o tempo determinado de aposentadoria, ou vá além da idade mínima a ser definida, receba valor maior do que o previsto para sua faixa, uma maneira de beneficiar quem ficou mais tempo ou entrou mais cedo no mercado de trabalho.
Além da idade mínima, que deverá ser estabelecida em 65 anos para homens e 62 para mulheres, o governo estuda uma carência, um prazo mínimo de tempo que o trabalhador terá que contribuir para ter direito ao benefício integral para a sua faixa média de contribuição, informou à Reuters uma fonte que acompanha a formulação da reforma na área. Se, além da idade, tiver contribuído por mais do que esse prazo, poderá receber acima do previsto.
O contrário, no entanto, também funcionará. Se ao chegar à idade de aposentadoria o trabalhador não tiver alcançado o tempo mínimo terá um desconto no valor a receber, ou poderá continuar trabalhando por mais algum tempo para aumentar o benefício. De acordo com a fonte, ainda não estão definidos os valores ou percentuais de aumento ou desconto. A equipe técnica do governo ainda estuda um ponto de equilíbrio no sistema.
A medida visa incentivar as pessoas a continuarem na ativa por mais tempo, mas também responde a uma das principais críticas das centrais sindicais à implementação de uma idade mínima: a de que ainda muitas pessoas começam a trabalhar muito cedo no Brasil, com 15 ou 16 anos, e essa é uma realidade que não deve mudar tão cedo.
"Tem uma forma de equacionar isso, que é garantir que o valor do benefício represente a quantidade de anos que a pessoa contribuiu. Vai ter uma regra geral, vai ter uma idade que todos vão ter que contribuir, independentemente de quando entraram no mercado, mas há condições de se definir uma fórmula de cálculo do benefício que responda a essa preocupação de equilíbrio, de igualdade", disse a fonte.
Apesar do fator previdenciário --que é usado hoje, na maior parte dos casos para reduzir a aposentadoria de quem não alcançam o tempo necessário de contribuição-- poder ser aplicado também para quem trabalhou mais tempo, o governo não cogita continuar a usá-lo.
"O fator tem uma rejeição social muito grande. Em princípio está sendo encaminhado um estudo para atender esse ponto mas o fator será extinto. Será usada outra forma”, afirmou a fonte.
Apesar de, em tese, o pacote de reforma da Previdência ainda estar em negociação com centrais sindicais e representantes de empresários, o governo já tem praticamente pronto o desenho das mudanças que planeja enviar ao Congresso logo depois das eleições municipais, em outubro.
PONTO ESSENCIAL
A idade mínima, mesmo criticada, será mantida e é tratada como ponto essencial para a reforma. Mais do que isso, a proposta do governo prevê uma mudança constitucional que permita atualizar esse limite a partir do aumento da expectativa de vida do brasileiro, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"Se a Constituição autorizar podemos criar um ajuste para atender essa evolução sem a necessidade de uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Atrelamos à evolução demográfica para ir corrigindo ao longo do tempo", disse a fonte.
O governo trabalha com a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres --uma exigência do presidente em exercício, Michel Temer, para quem a diferença ainda precisa ser mantida por algum tempo-- mas a intenção é não apenas aproximar os dois limites como aumentar gradativamente, podendo chegar a 70 anos em 2060.
O limite, que parece ser inaceitável hoje, em que alguns Estados tem ainda expectativa de vida inferior a essa idade e mesmo mesmo a média brasileira é de 75 anos, seria razoável em 2060, quando o Brasil já teria 44 idosos para cada 100 pessoas na ativa. Hoje essa proporção é de 11 para 100.
APOSENTADORIA RURAL
As mudanças incluem, ainda, um novo modelo de Previdência rural. Atualmente, o trabalhador rural não empregado, que trabalha por conta própria, precisa apenas comprovar que é pequeno agricultor. E mesmo nos casos em que não consegue essa comprovação, a Justiça concede o benefício, previsto na Constituição, em quase 100 por cento dos casos.
As aposentadorias rurais hoje registram um déficit de 95 bilhões de reais, enquanto o regime dos trabalhadores urbanos tem um superávit de 6 bilhões de reais, dando ao regime geral --que não inclui funcionalismo público e militares-- um déficit anual de 89 bilhões de reais.
O levantamento do governo é de que um terço das aposentadorias rurais são concedidas na Justiça. “Isso desregula o sistema, que não tem previsibilidade”, disse a fonte.
A intenção é criar um plano específico para o produtor rural, para que haja uma contribuição, mesmo que de forma diferente do trabalhador urbano, assalariado ou autônomo. O modelo, no entanto, ainda não foi definido.
O governo do presidente interino Michel Temer planejava enviar uma proposta de reforma da Previdência ao Congresso até o início de julho deste ano, mas as negociações com as centrais sindicais foram mais duras do que o imaginado inicialmente.
Um segundo grupo de trabalho foi formado, mas ainda esbarra em temas como a transição --os sindicalistas não aceitam que a reforma afete quem já está no mercado de trabalho-- e mesmo a idade mínima, que ainda não é consenso. Ainda assim, o plano neste momento é enviar a proposta logo depois das eleições para aprová-lo no primeiro semestre de 2017.
"Assim que chegar ao Congresso isso será a prioridade número um do governo", disse a fonte.
Não se sabe qual será a força do governo para aprovar temas tão pouco populares. Michel Temer, no entanto, tem dito que irá defender a reforma, mesmo se tiver que enfrentar críticas e protestos.
Por Lisandra Paraguassu
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Reuters Brasil - sexta-feira, 5 de agosto de 2016 09:40 BRT