Uma situação típica de desencontro entre uma mãe e seu bebê. Bater ou não bater? E um panorama do que achamos esquisito nos interesses e comportamentos infantis. Em que tipo de adulto, afinal, se transformarão essas crianças?
Sempre me surpreendo com a falta de compreensão sobre como funcionam seus filhos que os pais demonstram em público. Não os culpo, mas me sensibiliza o tamanho do desencontro.
A bebê de um ano de idade balbucia no colo da mãe, os olhos vivos e aquela bunda grande de quem está de fralda. Pega a chupeta e atira no chão.
Isso já aconteceu com você?
Eu estava na mesa ao lado. O que me chamou a atenção foi a reação da mãe, com a voz contida, mas em tom áspero:
“Pára com isso! Quer apanhar? Pára de jogar no chão!”.
Imagino que já tinha pegado aquela chupeta algumas vezes e estava de saco cheio.
Bebês que atiram objetos ao chão repetidas vezes, seguidos de ameaças e violência verbal da mãe (ou de cuidadores) são uma situação dolorosamente comum.
Quero comentar dois pontos.
Primeiro ponto
Bater ou ameaçar bater não são estratégias de educação. Não se engane.
São formas de violência. São sobretudo maneiras dos pais descarregarem a própria frustração sobre o filho/a.
Ou seja, a motivação do pai ou da mãe, ao bater, normalmente não é educar; a agressão é motivada pela falta de capacidade de lidar com os próprios sentimentos de raiva e de medo.
Apanhar pode tornar alguém obediente — seja um cavalo, um cachorro ou uma criança — não há dúvida. Mas criar um ser humano é algo mais do que conseguir obediência.
Ou não?
Quando você bate no seu filho/a, ele não está aprendendo o que você imagina estar ensinando (que não é legal jogar as coisas no chão, neste caso).
Como as crianças aprendem mais pelo exemplo que pelo conteúdo da fala, o ensinamento será de que a violência é uma boa forma de resolução de conflitos. Que o mais forte deve ameaçar ou mesmo agredir o outro para conseguir o que quer.
Não se espante quando for chamado à escola porque seu filho/a começou a bater nas outras crianças — ele/a estará apenas demonstrando que aprendeu com o seu exemplo.
A intimidação e a violência covarde sofridas em casa são, de fato, a base do Bullying. Em outro ambiente, dessa vez com pessoas mais frágeis que si própria, a vítima se torna algoz. A violência vivida em casa é reproduzida na escola ou na rua.
Segundo ponto
Com grande frequência, adultos esperam que crianças se comportem como crianças mais velhas, ou mesmo como adultos. Não admitem que bebês, por exemplo, se comportem como… bebês.
Trata-se de um trágico mal-entendido. Se esta mãe soubesse que o comportamento de sua filha, ao atirar objetos no chão e esperar que algum adulto os devolva, repetidas vezes, é não apenas típico, mas saudável, acredito que agiria de outra maneira.
É um jogo comovente, que Freud chamou de Fort-Da. Em português, seria algo como Vai-Volta.
Uma tentativa de elaborar no mundo da brincadeira, da criatividade e da imaginação, que constituem a esfera de potência do bebê, a situação mais angustiante com que se defronta naquele período da vida: as idas e vindas da mãe. Por meio da brincadeira, os papéis de mãe e bebê se invertem; ao assumir o comando, ele pode sentir que tem algum controle sobre o seu mundo.
A tentativa de elaboração da experiência infantil é motivada por uma necessidade emocional. É proporcional ao amor que o bebê dedica à mãe e ao tamanho da angústia que sente cada vez que ela se afasta. Que a busca natural e saudável de elaboração emocional do bebê seja recebida com negligência, descaso ou mesmo violência, quando anseia por cumplicidade e acolhimento, me parece algo verdadeiramente trágico.
Lança os alicerces para toda uma vida de silenciamento das próprias necessidades, de desesperança e complacência com o que os outros esperam de si.
Como evitar um destino tão trágico?
As necessidades e os comportamentos típicos dos seres humanos variam bastante conforme a idade. Uma parte considerável dessas necessidades e comportamentos está mapeada em detalhes nas diferentes descrições do processo de desenvolvimento humano. Piaget, Vygotsky, Freud, Melanie Klein, Winnicott, Bowlby, Françoise Dolto e Brazelton são algumas das principais referências.
Bebês de oito meses podem ter crises de choro e ansiedade e isso não é sinal de que se tornarão carentes ou manhosos demais. Com um ano, muitos/as mordem os amiguinhos na creche (não significa que se tornarão adultos agressivos). Por volta de três anos, é natural que manipulem o próprio cocô e até que o dêem de presente a alguém de que gostam (não quer dizer que se tornarão pessoas porcas).
A partir de quatro anos, até por volta de 6–7, costumam sentir grande curiosidade a respeito de pintos, bundas e periquitas — o que, obviamente, não significa que se tornarão adultos tarados.
São apenas comportamentos típicos, mas que podem causar uma boa dose de embaraço e ansiedade em adultos que não estão preparados para lidar com esses comportamentos.
Quando alguém resolve dedicar-se à jardinagem, o bom senso recomenda que procure entender as necessidades específicas das plantas que deseja criar. Caso contrário, elas não têm chance de crescer saudáveis.
Se você cuida de crianças, como mãe, pai ou educador/a, ou apóia quem o faça, sugiro de coração que busque compreender como elas funcionam.
Conseguir enxergar de verdade uma criança faz uma diferença gigantesca em sua vida emocional, e desempenha um papel decisivo sobre os adultos que chegarão a se tornar. Fora isso, saber o que esperar e poder lidar com o que se apresenta, em meio ao turbilhão existencial que é educar uma criança nos dias de hoje, deverão tornar sua própria vida bem menos angustiante.
- - - - - - > Publicado em sociedade por André Camargo-obviousmag.org/Site Flipboard