Os procuradores da República que integram as forças tarefas da Operação Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro se reuniram, hoje (27), na sede da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, no centro do Rio, para avaliar as formas de atuação, tecnologias empregadas nas investigações e fatores que estimulam a corrupção no país. Ainda no encontro, também discutiram métodos de integrar as ações nas três cidades.
Ao fim do evento, divulgaram um documento chamado de Carta do Rio, no qual apontam a necessidade do aperfeiçoamento da legislação no combate à corrupção no Brasil e incentivam a sociedade a acompanhar o desempenho dos parlamentares da atual legislatura e a incluir o critério da anticorrupção nas escolhas dos deputados e senadores que serão eleitos para o próximo Congresso.
“Se a luta contra a corrupção depende essencialmente do Congresso, é preciso que a sociedade continue atenta aos movimentos dos atuais parlamentares, manifestando-se contra qualquer tentativa de dificultar ou impedir as investigações criminais de pessoas poderosas. Por fim, é crucial que, em 2018, cada eleitor escolha cuidadosamente, dentre os diversos setores de nossa sociedade, apenas deputados e senadores com passado limpo, comprometidos com os valores democráticos e republicanos e que apoiem efetivamente a agenda anticorrupção. Olhando o passado, não podemos descuidar do futuro”, afirmam.
O documento indica que, desde 2014, a Lava Jato vem revelando que a corrupção no Brasil está bastante disseminada no modo de funcionamento do sistema político nas esferas federal, estadual e municipal e que cargos públicos de chefia são loteados por políticos e partidos para a arrecadação de propinas. Para os procuradores, o dinheiro que “enriquece criminosos e financia campanhas”, deturpa a democracia, gera ineficiência econômica, acirra a desigualdade e empobrece a prestação de serviços públicos.
Os procuradores informam também na Carta do Rio, que o Ministério Público Federal continuará a defender a sociedade e a democracia brasileiras da “corrupção endêmica” do sistema político brasileiro. “Esse é o compromisso dos procuradores da Lava Jato, que não se acanharão com os ataques que vêm sofrendo de interesses atingidos pelas investigações. Contudo, o futuro da Lava Jato e a esperança no fim da impunidade histórica de poderosos no Brasil dependem do Congresso Nacional. Somente os parlamentares federais podem aprovar as leis necessárias para satisfazer os anseios da população por Justiça”.
Balanço
A Carta do Rio faz um balanço dos resultados até agora e destaca que, após um esforço coletivo de diversas instituições, foram presas 416 pessoas acusadas por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Além disso, há 144 réus condenados a mais de 2.130 anos. Nas 64 fases deflagradas, foram cumpridos 1.100 mandados de busca e apreensão, pelo menos 92 ações penais tramitam na Justiça e 340 pedidos de cooperação internacional foram enviados ou recebidos em conexão com mais de 40 países. Sobre o dinheiro, indica que mais de R$ 11 bilhões de reais estão sendo recuperados por meio de acordos de colaboração com pessoas físicas e jurídicas.
Os procuradores manifestam também a esperança de que a sociedade acompanhe os desfechos de grandes questões jurídicas travadas, atualmente, no Supremo Tribunal Federal (STF), como o fim do foro privilegiado, a colaboração premiada, a execução de condenação confirmada em segundo grau e a prisão preventiva.
A carta assinada pelos procuradores ressalta que, apesar dos escândalos já divulgados com o envolvimento de parlamentares nas ações criminosas, nem o Congresso e nem os partidos afastaram os políticos envolvidos nos crimes. “Pelo contrário, a perspectiva de responsabilização de políticos influentes uniu grande parte da classe política contra as investigações e os investigadores, o que se reflete na atuação de comissões parlamentares de inquérito e em diversos projetos de lei que ameaçam as investigações”.
Os procuradores citam como exemplos dessa reação do Parlamento, a atuação da CPI da Petrobras de 2015, a CPMI do caso JBS em 2017 e as propostas de uma “série de projetos de lei prejudiciais à punição dos grandes corruptos”. Entre os projetos, destacam os de anistia, que consideram uma aceitação da “corrupção sob o disfarce de perdão a caixa dois”; e de abuso de autoridade, no qual, segundo os procuradores, foram criadas punições a condutas legítimas, com único intuito de intimidar as autoridades.
A lista de projetos apontados na carta se estende ainda à reforma do Código de Processo Penal, “impedindo prisão preventiva em casos de corrupção”; da delação premiada, “vedando-a, por exemplo, em casos de réus presos”; e da prisão apenas após percorridas todas as instâncias, “propiciando ambiente altamente favorável à prescrição e à impunidade”.
O documento chama atenção para as tentativas de garantir a impunidade de políticos poderosos, o que, segundo os procuradores, “certamente se intensificarão”, como ocorreu na libertação dos líderes políticos fluminenses, os deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) no dia 17 deste mês.
Fôlego para 2018
O procurador da República Eduardo El Hage lembrou que, no Rio, a investigação partiu de uma apuração de propina equivalente a 5% do valor da obra do Maracanã e chegou até a comissão das Olimpíadas de 2016. “As informações foram peça fundamental para que a gente conseguisse desvendar esquemas corruptos que passaram pelo Tribunal de Contas do Estado, pela Assembleia Legislativa, pela área da saúde, pela área dos transportes e pela área de serviços. As investigações ainda estão com bastante material, bastante fôlego para 2018”, informou na coletiva.
O documento defende ainda os acordos de colaboração premiada com rápida apreciação da homologação. “Precisamos entender que quando estamos diante de um caso de macrocorrupção do próprio sistema político, cabe ao Ministério Público, o papel preponderante de negociar estes acordos. Esses acordos devem ser respeitados pelo Poder Judiciário e também pelos outros órgãos da administração pública”, afirmou o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, do MPF de Curitiba.
Para o procurador, chegou o momento de fazer com que esses acordos prevaleçam, porque as partes envolvidas neles entregaram os fatos relevantes. “Precisamos, agora, fazer com que não haja, por parte do Estado, comportamento de má-fé em relação aos próprios colaboradores. Precisamos que os diversos órgãos públicos entendam que as colaborações foram úteis, apesar de revelarem fatos do próprio Poder Político que sustenta o governo atual e que esses fatos merecem a proteção do Estado. O Estado é um só e não pode agir esquizofrenicamente ou e má-fé”, completou.
Edição: Davi Oliveira