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Ciência comportamental ganha espaço dentro de políticas públicas no Brasil
Saúde / Ciência
Publicado em 28/08/2017
Ludmilla Souza – Repórter da Agência Brasil - 27/08/2017 - 09h56 - Atualizado em 217/08/2017 - 10h40 - Brasilia-DF/Site EBC

Na busca pela melhor compreensão do comportamento humano, a ciência comportamental oferece uma nova perspectiva sobre como funciona a tomada de decisão dos indivíduos. O campo científico surgiu na década de 1970, mas agora um dos setores que têm absorvido seus princípios e técnicas é o de políticas públicas. Já são vários os exemplos, principalmente no exterior e, mais recentemente, no Brasil.

“As ciências comportamentais derivam da própria psicologia. É entender como a cabeça das pessoas funciona para pensar, por exemplo, em políticas públicas, essa é uma das aplicações e a principal, é a que interessa mesmo”, explica a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, professora e doutora em Psicologia Econômica.

“A grande novidade é quando as ciências comportamentais se posicionam a favor do cidadão, trazendo contribuições em diferentes ramos para ajudar as pessoas a tomarem melhores decisões para elas mesmas”, acrescenta

No Brasil, ciência comportamental foi usada no desenho e na implementação do programa de educação financeira dentro do Bolsa Família, que atende famílias de baixa renda. A ideia principal é como estimular as mulheres, que recebem o benefício, a poupar, pagar dívidas e planejar o orçamento familiar.

“A partir dessa abordagem, de entender o comportamento e a tomada de decisão financeira das famílias, nós passamos a desenhar soluções que pudessem alterar aqueles comportamentos”, diz a diretora do Departamento de Benefícios do Bolsa Família do Ministério do Desenvolvimento Social, Caroline Paranayba.

As soluações, chamadas de tecnologias sociais, foram elaboradas em conjunto com as beneficiárias. “Chegamos a um conjunto de soluções que não foram desenvolvidas para elas, mas com elas, que é a premissa dessa abordagem: construir a solução com quem está envolvido no problema”.

Para o desenvolvimento, foram feitas oficinas e imersão dos profissionais envolvidos, que chegaram a conviver diariamente na casa das beneficiárias para entender a rotina. “Precisamos nos envolver para entender o conceito de escassez na prática”, disse a diretora.

O resultado foi a elaboração de três passos: o primeiro, uma agenda de controle financeiro. “Vimos que muitas tinham dificuldade de letramento e utilizamos figuras em adesivos para identificar o gasto do mês, assim elas tomaram consciência de valores”, explicou.

A segunda foi uma carteira para controlarem o dinheiro que entra e onde era gasto. A terceira solução foram três cofrinhos: cada um deverá ser usado em uma situação. “Eles têm uma abordagem diferente, onde podem separar o dinheiro para as emergências, outro para o dia a dia, e o terceiro que é o cofre dos sonhos, para um objetivo maior”, detalhou Caroline.

Segundo a superintendente da Associação de Educação Financeira do Brasil, Cláudia Forte, as avaliações já apontam para uma mudança de comportamento entre as beneficiárias. De acordo com a superintendente, 34% da amostragem analisada já começou a resolver as pendências com recursos próprios e 39% no número de famílias conseguiram poupar.

Baixo custo

A consultora da Associação Travessia - organização sem fins lucrativos que ajudou na elaboração do programa - Marina Cançado, destaca que a aplicação das técnicas envolvendo a ciência comportamental não depende de altos investimentos em tecnologia ou estrutura.

“As intervenções da ciência comportamental tem custo baixíssimo, muitas vezes é mudar um formulário, ou como no Bolsa Família, foi distribuir para as beneficiárias formas de organizarem o dinheiro. Muito das ciências comportamentais está nos detalhes que são negligenciados”.

Nos Estados Unidos e no Reino Unido, a ciência também tem sido usada por instituições e governos na construção de políticas e programas sociais mais eficientes. Marina Cançado cita um exemplo do governo inglês na área de educação e arrecadação de impostos. “Fizeram mais de 400 projetos nas políticas públicas com a utilização dos ensaios comportamentais, desde aumentar a presença de pais nas reuniões de escolas públicas até aumentar a arrecadação de impostos de pessoas que não estavam pagando”.

Ética

Sobre se a ciência comportamental em políticas poderia influenciar as decisões de um indivíduo, a consultora não acredita que as técnicas restrinjam a liberdade de escolha. “Poderia ser encarada como manipulação, ou com o governo querendo que as pessoas se comportem de determinada forma, mas eu não concordo, porque um dos princípios da ciência comportamental é sempre preservar a liberdade de escolha do indivíduo, então em nenhum momento você está obrigando ninguém a fazer nada, você só está criando um contexto para facilitar”, defende.

Especialistas e interessados na área se reuniram na última semana em São Paulo para debater o tema, com o objetivo de trazer a discussão para o contexto brasileiro principalmente em relação às políticas públicas e programas sociais.

Um dos principais especialistas em estudos da economia comportamental no mundo e professor de psicologia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, Dan Ariely, participou do evento e disse que a discussão ética  envolvendo o uso das ciências comportamentais precisa levar em conta o alto custo das más escolhas dos cidadãos e os reflexos na sociedade. “Quanto mais tempo eu estudo mais acho que temos que ser paternalistas, pois o mundo que está aí é complexo. Quanto mais avançamos em todas as áreas da vida, mais as decisões se tornam difíceis e as pessoas não sabem qual o ponto certo a escolher. Precisamos analisar o custo-benefício das más escolhas”.

O especialista ainda aconselha a quem quer mudar comportamentos pessoais e no trabalho ficar atento aos detalhes. “É se debruçar sobre os detalhes, sobre o comportamento que se espera.Ver quais são os obstáculos e como eliminá-los”.

Em 2015, a a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp) decidiu mudar o formato do formulário da previdência complementar que é entregue ao funcionário público no primeiro dia de trabalho para identificar se ele quer ou não participar do plano.

No documento, a opção “Sim, eu quero aderir ao plano” passou a ser marcada automaticamente, com o objetivo de aumentar a adesão. Desde então, caso não queira aderir ao plano, o funcionário tem 90 dias para desistir. A iniciativa, baseada em uma prática aplicada nos Estados Unidos, fez subir de 40% para 82% a fatia de participantes ao plano.

“Em nenhum momento a liberdade [de escolha] é suprimida, porque a pessoa pode deixar de fazer, não tem nada compulsório”, disse a psicológa Vera Rita. A especialista diz ainda que não existe nenhum perigo na adoção da ciência comportamental na coletividade, pois está a favor da população. “É sempre uma indução leve e caso você queira revelar tudo que está sendo feito para o tomador de decisão, isso não diminui a eficácia. O que eu defendo também é colocar o público-alvo para pensar junto, antes de formular [iniciativas]”.

Incentivo do Banco Mundial

De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Mundial 2015: Mente, Sociedade e Comportamento, do Banco Mundial, diversos fatores comportamentais e sociais podem afetar o êxito de uma política. “A prática de desenvolvimento exige um processo interativo de descoberta e aprendizagem, que implica a distribuição do tempo, dinheiro e conhecimento técnico ao longo de vários ciclos de projeto, implementação e avaliação”.

Segundo o relatório, uma visão mais profunda do comportamento humano pode contribuir para o alcance dos objetivos de desenvolvimento em muitas áreas, como desenvolvimento na primeira infância, finanças domésticas, produtividade, saúde e mudança climática.

Matéria atualizada às 10h40.

Edição: Carolina Pimentel
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