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Facções assumem lugar do Estado nos presídios
16/01/2017 09:30 em Brasil
Jornal do Brasil - Rebeca Letieri *

O Complexo Penitenciário de Manaus, no Amazonas, ganhou destaque no início deste ano quando uma rebelião resultou na morte de 56 detentos. Corpos decapitados foram lançados para fora do presidio pelos próprios presos. Nesse mesmo mês, imagens gravadas pelas próprias detentas do presídio feminino de Pernambuco mostram as presidiárias se divertindo em uma festa com bebidas alcoólicas e drogas. Estudos a respeito dos presídios no país apontam para um abandono por parte do Estado, e uma “adoção” por parte do poder público, que assim estaria "legitimando" as facções criminosas dentro deles. As facções, por si só, nasceram dentro dos presídios e ali se fortalecem, ganhando status de poder e controle interno, como, por exemplo, quando ocorrem transferências de um preso para outra galeria. Ou seja, quem decide se um preso vai para outra unidade é o próprio preso, numa inversão de comandos. 

“Uma coisa que chama atenção é o fato de as facções terem nascido dentro do seio do próprio Estado. Eu me questiono sobre um poder paralelo, porque são 13 estados, mais o Distrito Federal que separam os presos de acordo com a facção. Essa organização não é tão paralela assim. Isso é quase que um recrutamento. É como se o Estado estivesse te jogando para dentro de uma facção”, diz Guilherme Pimentel, coordenador do Defezap, um projeto gerado pelo Meu Rio, sistema de defesa cidadã contra a violência de estado. 

Samuel Lourenço é aluno de gestão da UFRJ e egresso do sistema prisional. Ele conta que à medida que o acusado chega ao presídio, ele é classificado de acordo com a região que ele mora, e com o crime que ele cometeu, como se fosse uma “triagem”. 

Facções nasceram dentro dos presídios e ali se fortalecem, ganhando status de poder e controle 
Facções nasceram dentro dos presídios e ali se fortalecem, ganhando status de poder e controle 

“Esse processo acaba fortalecendo não só as próprias facções, mas o próprio crime, porque a prisão não deveria ser só para tirar o criminoso da sociedade, mas para regenerá-lo. Como que faço isso se tiro ele da facção no morro, e coloco ele na mesma facção no presídio?”, questiona.

A justificativa do Estado é a de que se o preso for deslocado para outra facção, de um grupo rival a qual ele faz parte, ele acabará morto. Mas a questão que surge é: quem assegura a integridade física do preso, então, não é verdadeiramente o Estado, são outros presos, amigos dele ou parceiros de crime, de facção, que estão na mesma galeria de grupos criminosos. 

Importante frisar que caso o preso não tenha nenhuma relação com determinada facção, ele pode solicitar ser transferido para outra unidade, a fim de se sentir protegido dentro do presídio. Samuel explica a existência de unidades neutras, “que são para crimes que repercutem midiaticamente de forma negativa para o agressor, caso dos estupradores, por exemplo”. Ele conta que dificilmente esses presos são misturados em unidades de facções, justamente para evitar confronto interno. 

“Porém, se a sua vida não está sendo colocada em risco, você não tem razão para pedir seguro. Por vezes, se o preso pede transferência por medo da facção, depois que ele é solto, ele ainda é obrigado a dar satisfação para a liderança do tráfico para explicar por que não quis ficar na cela da facção x, y ou z”, ressaltou Samuel. 

Ele conta que é inevitável se submeter às regras do jogo. Se um preso ainda não fazia parte de alguma facção, agora, ao entrar em um presídio classificado para tal, fará, querendo ele ou não. O preso acaba, por assim dizer, dependendo das facções, pois é a partir delas que saem as reivindicações, como assistência médica, assistência de jurídica, material, entre outras necessidades. 

“O Estado não se dá conta, ou se dá e acaba legitimando por entender que é regra do jogo. O fato de a facção existir dentro de uma instituição publica é, em primeiro lugar, estranho, já que a gente entende que a instituição deveria neutralizar. Nesse caso, ela legitima” acrescenta Samuel. 

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou recentemente que 42% dos presos no Brasil são provisórios, quando a média mundial, segundo ele, é de 20%. Samuel comenta que os presos provisórios acabam sendo um verdadeiro recipiente onde a história do crime vai iniciar seus primeiros capítulos. 

“Existe a probabilidade grande de ele sair de lá pior do que ele entrou, porque  entrou como suspeito, mas viveu como condenado. Se ele não sabia fazer a dança da facção, vai ter de aprender a fazer”, disse, acrescentando: “É um enxugamento de gelo. Uma situação que não funciona, gira em círculo, e não encontra saída. E isso vai se refletir na sociedade, onde as pessoas vão cada vez mais procurar segurança na organização criminosa e não no Estado”. 

Guilherme Pimentel, do Defezap, define a facção como uma empresa com interesses econômicos. “Temos que tomar cuidado ao olhar para a facção, ela não é um salvador, ela é um negócio que não respeita direitos, por exemplo. O buraco é muito mais embaixo e complexo”, afirmou. 

Quando o assunto é sistema prisional, a superlotação das cadeias é o primeiro problema destacado. No Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, falta água desde o dia 27 de dezembro passado. Aliado ao calor do verão carioca que ultrapassa os 40 graus, o problema aumentou a tensão entre os quase 50 mil detentos das 21 unidades prisionais da região. 

“A superlotação é um problema grave. Em Bangu está faltando água, e sem falar nos problemas de visitação. É um sistema de violações, ele não regenera, não resgata, é um depósito de seres humanos esquecidos e indesejados. É claro que isso vai voltar contra a sociedade. Se estamos plantando, nós vamos colher. Temos que repensar esse sistema. A cadeia, hoje, produz o crime, ela não é neutra, ela é negativa”, diz Guilherme. 

O tráfico de drogas é a maior causa de prisões no Brasil. De acordo com relatório da HumanRightsWatch, divulgado na quinta-feira (12) e repercutido amplamente na imprensa, crimes relacionados ao narcotráfico causaram 28% das detenções brasileiras no levantamento anual mais recente. Há uma década, eram 9%. Em 2016, o país endureceu ainda mais a legislação contra o tráfico. Ações do tipo parecem ter colaborado ainda mais para a superlotação nas prisões. Na visão da HumanRights, esse é um “fator chave”. 

“As pessoas que a gente vê presas não movimentam esse negócio sozinhas. Elas representam a ponta do varejo de drogas. Só que elas são tratadas como se fossem descartáveis, pela classe social e pela cor de pele, e por isso são mais expostas. São olhadas como se fossem as cabeças do crime”, critica Guilherme. 

Segundo o secretário de Segurança Pública, Sérgio Fontes, o estado, sozinho, não tem condições de controlar situações de rebeliões como a que ocorreu em Manaus. Para Guilherme, o perigo está na política criminal que tem sido movida pelo medo. 

“O medo fora de controle acaba respaldando ações que não são muito racionais. Ações de combate e etc. Quando olho para esse problema [rebeliões dentro dos complexos penitenciários], o vejo muito mais como um resultado desse endurecimento da política de drogas do que qualquer outra coisa”, finaliza.

* do projeto de estágio do JB

 

 


Jornal do Brasil
- Rebeca Letieri * - Segunda-feira, 16 de janeiro de 2017/Site Terra

 

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