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Pesquisa sinaliza que cogumelos têm efeito antidepressivo
04/06/2016 10:39 em Saúde / Ciência

Segundo documentos escritos no século 16 pelo frei Bernardino de Sahagún em sua passagem pela Mesoamérica, o consumo de cogumelos alucinógenos era generalizado entre os indígenas. Eles confiavam nos poderes divinos do teonanácatl, como esses fungos eram chamados pelos astecas, para tratar febre, gota e purificar o espírito. A magia curativa e alucinógena deriva da substância psilocibina, que, segundo pesquisadores do Imperial College London, no Reino Unido, tem valor medicinal tão relevante para o futuro quanto o creditado no passado, sobretudo para o tratamento de pacientes diagnosticados com depressão resistente aos medicamentos tradicionais.

O uso recreativo ou medicinal dos cogumelos é contraindicado, sendo potencialmente perigoso em quadros depressivos graves. Nesse contexto, o estudo publicado agora na revista The Lancet Psychiatry foi bem-sucedido: a equipe liderada por Robin Car-hart-Harris conduziu, de forma segura e eficiente, uma investigação clínica sobre os efeitos de duas doses de psilocibina administradas em um intervalo de sete dias em 12 pacientes com depressão persistente. Uma semana depois da experiência, todos os voluntários não apresentavam sintomas da depressão. Três meses depois, sete apresentavam remissão dos sinais da doença e cinco continuavam sem senti-los. (veja infográfico).

Apesar dos resultados encorajadores, Carhart-Harris é cauteloso e frisa a necessidade de estudos maiores para que os efeitos possam ser traduzidos em medicamentos reais. “Eu não quero que o público pense que pode tratar a depressão escolhendo seus cogumelos mágicos. Esse tipo de abordagem pode ser arriscada”, adverte o cientista, que se rodeou de cuidados ao realizar o experimento. Os participantes foram, durante os três meses de avaliação, monitorados e acompanhados por psiquiatras. Além disso, todos foram cuidadosamente selecionados e receberam apoio psicológico antes, durante e após a intervenção.

Até a administração da substância foi cuidadosa, em um ambiente positivo: uma sala de enfermaria com cama, luz baixa e música relaxante. Mesmo assim, todos apresentaram alucinações de 30 minutos a 60 minutos após ingerir as cápsulas de psilocibina. O efeito psicodélico atingiu o pico entre duas e três horas, mas os pacientes apresentaram melhora e receberam alta seis horas depois. Efeitos colaterais graves não foram registrados, os voluntários, porém, apresentaram reações adversas esperadas, como ansiedade, confusão, náusea e cefaleia transitórias.

 


Autorreflexão
A teoria dos cientistas é de que a psilocibina, além de atuar em receptores de serotonina no cérebro, altera o funcionamento da rede de modo-padrão. Hiperativo em pessoas deprimidas, esse mecanismo é associado à capacidade de o indivíduo se voltar ao seu mundo interior e refletir sobre si mesmo. A hipótese, contudo, não exclui a possibilidade de a experiência psicodélica ter provocado uma espécie de “despertar” espiritual, assim como acreditavam os astecas, permitindo que os participantes se reerguessem da depressão.

A maioria deles sofria com a doença há pelo menos 17 anos e, até o experimento com a psilocibina, havia tentado, sem sucesso, tratamento com antidepressivos diversos. Eles também procuraram ajuda na psicoterapia. Carhart-Harris diz que a magnitude e a persistência dos efeitos antidepressivos observados no experimento condizem com estudos anteriores nos quais 80% dos tabagistas se abstiveram do cigarro por seis meses após duas sessões de tratamento com psilocibina.

“Dependentes de álcool reduziram significativamente o consumo das bebidas ao longo de oito meses após uma ou duas sessões. Também foram observadas diminuições na ansiedade e na depressão de três a seis meses após uma única dose de psilocibina em pacientes com ansiedade relacionada ao câncer em fase terminal. Melhorias no bem-estar de indivíduos saudáveis ocorreram por mais de um ano após uma única dose da substância. Diminuições rápidas e duradouras em sintomas depressivos também foram recentemente encontradas em bebida psicodélicas, como a ayahuasca (Leia para saber mais)”, detalha o autor.

Cuidados
Phil Cowen, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Oxford, também no Reino Unido, complementa que os cogumelos mágicos, em relação a outros alucinógenos, apresentam baixo risco de dependência. “Mas ainda há efeitos indesejados, como ansiedade aguda e paranoia, além da possibilidade de consequências adversas de longo prazo na saúde mental de pessoas psicologicamente vulneráveis. Nesse sentido, a pesquisa de Carhart-Harris e colegas fornece um bom quadro para a condução segura de estudos com psilocibina”, diz o especialista que não participou do estudo.

Segundo Cowen, a principal observação que pode, eventualmente, justificar o uso de uma droga como a psilocibina no tratamento de depressão é o benefício detectado em pacientes que vivem há anos com os sintomas da doença mesmo submetidos aos tratamentos convencionais. “Os dados obtidos em três meses de acompanhamento — um tempo relativamente curto em pacientes com extensa duração da doença — são promissores, mas não completamente convincentes, pois quase metade do grupo apresentou sintomas depressivos relevantes depois. Mais pesquisas com entrevistas qualitativas aprofundadas com os pacientes e familiares podem ser muito úteis para enriquecer a avaliação”, pondera.

PARA SABER MAIS:

Chá é promessa terapêutica
Ayahuasca é o nome quéchua para um chá obtido a partir do cipó Banisteriopsis caapi, utilizado para fins rituais por populações indígenas da Amazônia. O uso de uma variação do chá que combina B. caapi com as folhas do arbusto Psychotria viridis sofreu expansão sem precedentes pelas propriedades psicotrópicas. Essa preparação contém o psicadélico N-dimetiltriptamina e alcaloides ß-carbolina, que induzem um estado agudo e transitório de alteração da consciência caracterizado por introspecção, visões, emoções melhoradas e de recolhimento de memórias pessoais.

Pesquisadores do Centro de Investigação Biomédica da Rede de Saúde Mental do Hospital de la Santa Creu i Sant Pau, em Barcelona, apontam o ayahuasca como promessa terapêutica por aumentar a autoaceitação do paciente e permitir que se exponha com segurança a eventos emocionais. O chá seria especialmente interessante para o tratamento de distúrbios relacionados ao impulso, abuso de substâncias e trauma, segundo eles.

 

Isabela de Oliveira - Correio Braziliense/em -  Publicação:03/06/2016 15:00 - Atualização:02/06/2016 16:11

 

 

 

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